Governo deve gastar ainda mais em programas sociais em tempos de crise, diz economista que inspirou Temer – BBC News Brasil

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Governo deve gastar ainda mais em programas sociais em tempos de crise, diz economista que inspirou Temer

Daniel Gallas Repórter de Economia da BBC para a América do Sul

  • 16 maio 2016

Image caption Ideias do economista Renato Paes de Barros inspiraram documento divulgado pelo PMDB

Mesmo com a grave crise econômica e com o ajuste fiscal, o governo brasileiro necessita gastar mais em programas sociais como o Bolsa Família em tempos de recessão, afirma o economista Ricardo Paes de Barros.

Em entrevista à BBC Brasil, o economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper disse que o orçamento do governo deve ser anti-cíclico – com aumento de gastos em tempos de crise, e diminuição em períodos de prosperidade.

Paes de Barros é muito próximo do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) que assumiu o ministério do Desenvolvimento Social e Agrário criado pelo presidente interino Michel Temer.

As ideias do economista – que participou da incepção do Bolsa Família na década passada – inspiraram os documentos “Travessia Social” e “Ponte para o Futuro” do PMDB e é provável que ele participe da reformulação da estratégia social do novo governo.

Depois de 13 anos, o Bolsa Família ajudou a retirar milhões de pessoas da pobreza. No entanto, com ajuste fiscal, o novo governo promete promover cortes em diversos gastos governamentais.

Paes de Barros defende que nenhum corte seja feito em programas que beneficiem os 50% mais pobres do país, que respondem por apenas 10% da renda nacional, e faz um balanço positivo do combate à pobreza no Brasil na última década.

BBC Brasil – Como o senhor resumiria as últimas duas décadas em termos de combate à pobreza no Brasil? Foi um sucesso ou um fracasso?

Ricardo Paes de Barros – O histórico de combate à pobreza é quase um recorde mundial. Nós temos reduzido a pobreza em um ritmo de três a quatro vezes maior do que o que havia sido combinado nas Metas do Milênio. A meta era reduzir pobreza pela metade em 25 anos. Nós estamos reduzindo pela metade a cada oito, dez anos. O ritmo de crescimento de renda dos pobres no Brasil tem sido quatro vezes maior do que o crescimento de renda dos ricos. Esse é um histórico incrível em redução de pobreza. Se tivermos mais dez anos com a mesma redução de desigualdade, provavelmente teremos um nível decente de desigualdade, e deixaremos de ser uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Direito de imagem ABr Image caption Combate à pobreza no Brasil é detaque mundial, mas desafio persiste

BBC Brasil – É possível cortar gastos governamentais e manter programas de combate à pobreza ao mesmo tempo?

Paes de Barros – Se estamos falando de programas sociais que beneficiam os 50% mais pobres – os 50% mais pobres detêm apenas 10% da renda nacional – daí não custa muito dinheiro manter os programas sociais necessários para essa camada da população.

Nós temos que nos certificar de que com crise ou sem crise nunca tocaremos nos programas que afetam os 50% mais pobres. Mas os programas que afetam os outros 50% precisam ser cortados. E temos que ser bem criteriosos para entender quais são mais ou menos importantes.

Todos os cortes precisam ser nos programas que beneficiam pessoas nos 50% de cima.

BBC Brasil – Recentemente a BBC visitou uma cidade onde 78% das pessoas recebem Bolsa Família. Como essas cidades vão sobreviver sem programas sociais?

Paes de Barros – A grande vantagem do Brasil é que, tirando os 10% mais pobres, todos os outros grupos saíram dessa condição por se engajarem em atividades econômicas.

Infelizmente ainda estamos em dívida com os 10% mais pobres, porque ainda não fizemos políticas que realmente engajem os 20 milhões mais pobres do país.

Direito de imagem Agencia Senado Image caption Bolsa Família vai ‘existir para sempre’, diz economista

BBC Brasil – Porém, mais de 20% da população ainda depende do Bolsa Família.

Paes de Barros – O programa vai existir para sempre. Ele é ótimo. Não existe motivo para a renda de alguns brasileiros ser zero. A ideia é que na medida em que ficarmos mais ricos, a renda mínima vai aumentar.

Esses programas são apenas um colchão. Uma renda básica para evitar que as pessoas não fiquem sem comida e dinheiro para pagar a luz e coisas básicas. É parecido com coisas como o seguro-desemprego.

A garantia desta renda mínima não faz com que essas pessoas não queiram trabalhar. As pessoas podem conseguir trabalhar e ter uma renda muito maior. Se elas forem bem-sucedidas, elas acabarão perdendo o benefício, que será passado a outra pessoa.

BBC Brasil – Mas em tempos de crise, isso não acontece, não é? As pessoas acabam não conseguindo trabalho com o desemprego crescendo.

Paes de Barros – É mais difícil fazer isso em tempos de crise. Por isso que em tempos de crise não se deve reduzir gastos em programas sociais. Em geral, o orçamento do governo precisa ser anti-cíclico, e não cíclico.

Você deve ter mais gastos sociais quando está em crise. Quando a economia está em boom, você deve ter menos gastos sociais.

Direito de imagem Ministerio da Saude Image caption Mais Médicos foi um dos programas criados no governo Dilma

BBC Brasil – Muitas pessoas que recebem o Bolsa Família estão com medo de perder o benefício por conta da crise e da mudança de governo. Elas têm motivo para preocupação?

Paes de Barros – Eu acho que nenhum governo no Brasil jamais tocará neste grande benefício que criamos para os muito pobres. Muitos governos tentarão – e eles devem – melhorar esses programas. No sentido de torná-los mais sensíveis às necessidades dos mais pobres de forma eficiente.

A metade mais pobre do Brasil responde por 10% da renda nacional. Esse programa custa apenas 0.5% do PIB. É uma fração pequena.

BBC Brasil – O Brasil e o governo do PT fracassaram em algum ponto – em termos sociais?

Paes de Barros – Há muitos aspectos em que fizemos um trabalho muito ruim. A política voltada para juventude foi um desastre. Não conseguimos melhorar muito a qualidade da educação. Os jovens estão cada vez menos interessados nas nossas escolas e nos empregos que estão sendo oferecidos a eles. Por isso, estamos indo muito mal nos indicadores relativos à juventude.

Fonte: www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160512_entrevista_ricardo_paes_de_barros_dg_rb