A proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital envolve o enfrentamento ao acesso precoce à internet, a criação e aplicação de legislações, além da responsabilidade coletiva, que inclui o papel das famílias, das big techs e a inserção de disciplinas sobre o uso consciente da tecnologia no currículo escolar. Essa foi a principal mensagem destacada no ciclo de palestras online promovido nesta sexta-feira (31/10) pelo Ministério Público de Rondônia (MPRO), dedicado à segurança desse público no ambiente virtual.
A atividade, destinada a integrantes da rede de proteção da infância e adolescência e profissionais da educação da capital e interior do estado, compôs programação do Projeto Naturalizando a Proteção da Infância, desenvolvido pelo Núcleo de Atendimento às Vítimas (Navit).
A capacitação foi transmitida a partir do auditório do prédio sede do MPRO, com a presença das promotoras de Justiça Tânia Garcia (coordenadora do Núcleo) e Luciana Ondei Rodrigues (coordenadora do Grupo de Atuação Especial da Educação – Gaeduc), contando com um corpo de palestrantes formado por representantes do Movimento Desconecta; da Ong Safernet Brasil e da Polícia Federal em Rondônia (PF/RO).
Em sua participação, a representante do Movimento Desconecta, advogada Catarina Fugulin, falou sobre a cultura do uso da internet tão presente nos dias atuais, abordando, primeiramente, o padrão de comportamento da população adulta, a partir do qual se desenvolveu a chamada parentalidade indisponível, negligente com as demandas de crianças e adolescentes, em razão de uma atenção fragmentada pelo acesso às redes.
Segundo a palestrante, esse cenário de hiperconectividade, em que a tela passou a ser gerenciadora de convivências, foi gradativamente reproduzido no ambiente familiar, promovendo um acesso cada vez mais precoce de crianças e adolescentes às telas. No Brasil, a média etária para o primeiro acesso é de seis anos idade.
Algoritimização da infância
Alertando sobre o uso precoce de dispositivos tecnológicos, Catarina Fugulin destacou os riscos e prejuízos decorrentes do acesso de crianças e adolescentes à internet. Nesse contexto, mencionou a conhecida manipulação algorítmica das redes sociais, mecanismo que constrói perfis detalhados dos usuários e passa a influenciar aspectos da formação cultural, educacional e na definição de valores do público infantojuvenil.
A integrante do Desconecta falou sobre a responsabilidade coletiva na garantia do direito à infância, um dever do Estado, família e sociedade. A esse respeito, citou a recente aprovação da Lei nº 15.211/2025, que cria o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, o ECA Digital. A norma foi sancionada em setembro deste ano e tem como objetivo proteger crianças e adolescentes no ambiente online.
“A lei prevê dispositivos importantes como a exclusão de recursos viciantes, barras de rolagem infinita, inserção de ferramentas de supervisão parental de forma fácil e intuitiva”, afirmou, acrescentando que as empresas de tecnologia têm o prazo de seis meses para a aplicação dos recursos.
Cidadania Digital
Na sequência, a integrante da Ong Safernet Brasil, psicóloga Bianca Orrico Serrão, fez uma apresentação das ações da organização, cujo trabalho é voltado para a segurança e garantia de direitos humanos na internet.
A palestrante destacou que, em 2024, das 68 mil denúncias recebidas pela ong em todo o mundo, 49 mil 596 diziam respeito à exploração sexual infantojuvenil na internet. Acrescentou que o Brasil aparece na lista dos cinco países que mais emitiram essas notificações.
Como proposta para aplacar os números desse tipo de violência, a palestrante apresentou o projeto Cidadania Digital, uma iniciativa que propõe a capacitação de crianças e adolescentes para o uso da internet, não apenas sob a perspectiva operacional, mas socioemocional.
A psicóloga explicou que projeto está alinhado às competências previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e busca apoiar professores, escolas da rede pública e secretarias de educação na implementação de um componente curricular que prepare estudantes para o uso da tecnologia de modo seguro, ético, saudável e responsável. “Os conteúdos promovem a segurança contra exposição, discurso de ódio, golpes, violências e desinformação online”, disse.
Falando a um público estratégico, Bianca Orrico apresentou produtos pedagógicos que podem ser baixados de forma gratuita na plataforma do projeto. Os materiais incluem o Caderno de Aulas, Curso de Formação Online e Mentoria, entre outras ferramentas.
As informações foram complementadas pelo gerente de projetos do Safernet Brasil, Guilherme Alves, que detalhou os objetivos do material, criado para estimular reflexões críticas, habilidades técnicas e socioemocionais. “A capacitação prepara os professores para os desafios da educação em um mundo conectado. Convidamos a rede de educação do estado a conhecer o trabalho ”, afirmou, anunciando haver tratativas para uma turma composta por profissionais do estado.
Polícia Federal
Em um segundo momento do evento, o agente da Polícia Federal em Rondônia e integrante da Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos, Marco Aurélio Guerreiro de Menezes Filho, apresentou o projeto “Guardiões da Infância: orientações para a rede de proteção sobre prevenção, identificação e enfrentamento da violência digital contra crianças e adolescentes.”
Durante sua exposição, o agente da PF detalhou o trabalho desenvolvido pela Polícia Federal na área de enfrentamento e prevenção ao abuso sexual infantojuvenil, dando esclarecimentos voltadas ao fortalecimento das ações de combate a violações de direitos de crianças e adolescentes no ambiente virtual. O palestrante apresentou exemplos de situações de risco e sinais de alerta que podem indicar que uma criança ou adolescente esteja sendo vítima de crimes de natureza sexual em espaços digitais.
“A introspecção repentina, a perda de sociabilidade, o isolamento, mudanças bruscas no comportamento emocional e quedas significativas no desempenho escolar podem ser indicativos de que a criança esteja em situação de risco”, alertou, orientando os profissionais da rede de proteção a manterem atenção constante e colaborarem com os órgãos de segurança no enfrentamento desses crimes.
Ministério Público
Presente ao evento, a coordenadora do Gaeduc, promotora de Justiça Luciana Ondei, destacou a pertinência dos temas tratados durante o ciclo de palestras, afirmando integrar recente mobilização para a inserção, na grade escolar, de disciplina que trate da segurança digital dos estudantes. “O Ministério Público manterá atuação constante nessa temática, com vistas a assegurar que crianças e adolescentes utilizem o ambiente virtual de forma segura, ética e responsável”.
Na sequência, a promotora de Justiça Tânia Garcia, coordenadora do Navit, encerrou a capacitação agradecendo aos palestrantes e reforçando o compromisso da instituição em manter vivo o debate sobre a construção de um ambiente mais protetivo nas redes.
“Este é um problema que vem roubando das nossas crianças o direito à infância. Não é natural privar uma criança de brincar, nem expô-la a conteúdos impróprios para sua faixa etária; não é natural qualquer forma de adultização ou exploração. O que é natural é garantirmos que a criança tenha condições de se desenvolver de forma plena e saudável, tornando-se um adulto feliz. Nosso trabalho é dedicado a isso”, destacou.
Gerência de Comunicação Integrada (GCI)

