Mais armas vendidas, menos apreensões: especialistas analisam ‘efeito Bolsonaro’

Em fevereiro, Bolsonaro editou quatro decretos sobre facilitação de compra e porte de armas

Reprodução Em fevereiro, Bolsonaro editou quatro decretos sobre facilitação de compra e porte de armas

Desde que passou a ocupar a cadeira de presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) apresentou 30 atos normativos – entre portarias e decretos presidenciais – que flexibilizam e enxugam os processos burocráticos para compra e porte de armas  por cidadãos comuns.

Na última canetada, foram quatro decretos  que, dentre outras providências, aumentam o limite de armas de cidadãos comuns de quatro armas pare seis; permitem o porte simultâneo de duas armas, facilitam a compra de armamentos e munições para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs); e ampliam a lista de categorias profissionais que têm direito a adquirir armas e munições controladas pelo Exército.

O saldo em dois anos de flexibilização foi um aumento de 180 mil novas armas de fogo registradas na Polícia Federal , recorde da série histórica.

Segundo Acácio Miranda da Silva Filho, especialista em Direito Constitucional e Penal, além dos atos normativos de Bolsonaro , o próprio incentivo do governo federal contribui para esse aumento exponencial de armas registradas no Brasil.

“Nós percebemos que a questão do armamento tem sido praticamente uma política pública do governo, inclusive com publicidade institucional para tanto”, afirma o advogado. “O interesse de Bolsonaro é político, foi tudo promessa de campanha e muito a reboque do que acontece nos Estados Unidos ; não foram poucas as oportunidades em que ele fez um paralelo entre as circunstâncias”, continua o advogado.

Já para Evandro Fabiani Capano, advogado especialista em Segurança Pública, ex-presidente da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Direito Militar da Secção Paulista da OAB , há clara correlação entre a política armamentista de Bolsonaro e o aumento de armas registradas , mas é preciso analisar também outros fatores.

“É possível que seja também um reflexo do aumento da insegurança do cidadão, por exemplo”, diz.

Apesar da escalada de armas registradas, o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2020, mostra que houve queda nas apreensões : 1,9% nas operações da Polícia Rodoviária Federal e 0,3% nas apreensões feitas pelas polícias estaduais.

“Há um desinteresse por parte das autoridades neste tipo de operação”, afirma Acácio Miranda. Ele diz, no entanto, que a desburocratização do tema também contribui para que pessoas não sejam mais enquadradas em infrações de porte ilegal de armamento.

“Por exemplo, caçadores, atiradores e colecionadores registrados têm a possibilidade de carregar armas a partir da edição dos últimos decretos do presidente. Basta declarar que está indo a um clube de tiro. Então, mesmo que as autoridades não estejam interessadas na apreensão , estão impossibilitadas muitas vezes de agir porque as pessoas estão dentro dos padrões normativos estabalecidos pelo governo.”

Para Evandro Fabiani Capano, não há desinteresse das autoridades. “Isso reflete apenas a facilidade na regulamentação ; há um número maior de pessoas com a regulamentação em ordem e, portanto, diminuição nas infrações”.

Discussão sobre constitucionalidade dos decretos

Marcelo Ramos, vice presidente da Câmara dos Deputados, afirma que Bolsonaro extrapolou limites do poder Executivo ao editar os últimos quatro decretos que flexibilizam e ampliam a compra e o porte de armas Michel Jesus/Câmara dos Deputados Marcelo Ramos, vice-presidente da Câmara dos Deputados, afirma que Bolsonaro extrapolou limites do poder Executivo ao editar os últimos quatro decretos que flexibilizam e ampliam a compra e o porte de armas


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Do ponto de vista constitucional, há discordâncias sobre a legalidade dos atos Bolsonaro. O próprio 1º vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM) , disse no dia seguinte da publicação dos decretos no Diário Oficial que houve extrapolação dos poderes por parte do presidente da República.

“Mais grave que o conteúdo dos decretos relacionados a armas editados pelo presidente é o fato de ele exacerbar do seu poder regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Pode Legislativo”, escreveu o deputado Marcelo Ramos em sua conta no Twitter.

De acordo com oo especialista em Direito Constitucional e Penal Acácio Miranda da Silva Filho, os últimos decretos extrapolam o poder normativo já que “a regulamentação do tema cabe ao Congresso através de uma lei federal”.

“Temos, inclusive, um Estatuto de Desarmamento para isso. O artigo 84 da Constituição diz que cabe ao presidente da República apenas regulamentar as leis estabelecidas pelo Congresso Nacional”, diz. Segundo ele, “o próprio Supremo Tribunal Federal pode intervir e determinar inconstitucionalidade formal desses decretos”, como ocorreu quando o ministro Edson Fachin suspendeu a isenção de impostos para importação de armas.

O Supremo tem recebido representações de partidos de oposição que visam suspender os decretos. Até o momento, cinco legendas apresentaram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) : PSDB, PT, PSOL, Rede e PSB.

Esses pedidos foram analisados pela Ministra Rosa Weber, que estipulou um prazo de 5 dias para Bolsonaro se manifestar sobre o assunto.

Impacto nos indicadores de violência

Viatura da Polícia Reprodução / Freepik / Imagem ilustrativa Viatura da Polícia


Quinze anos após os brasileiros irem às urnas, em 2005, para decidir se o comércio de armas e munições seria proibido, as armas de fogo são responsáveis por cerca de 70% dos homicídios no país , segundo dados de outubro de 2020 do DataSUS , departamento de informática do Sistema Único de Saúde (SUS).

Com dois anos de flexibilização desde o início do governo Bolsonaro, é cedo para cravar, com base em dados, se a desburocratização do porte elevou ainda mais os níveis de violência no Brasil, e, segundo Acácio Miranda , essa falta de evidêcias é utilizada pelo presidente da República para argumentar a favor da regulamentação.

No ano de 2020, dados do Monitor da Violência, realizado em parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que houve uma alta de 5% nos assassinatos em 2020 na comparação com 2019.

O aumento de mortes aconteceu mesmo durante a pandemia do novo coronavírus e foi puxado principalmente pelo Nordeste, que teve um aumento expressivo nos assassinatos: 20%

Analisando, porém, os dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, é possível observar em 2019 uma queda de homicídios no Brasil de 31% se comparado ao ano de 2017 (que registrou recorde de 65,5 mil casos).

A estatística, entretanto, mostra uma face oculta: o número de mortes violentas sem explicação saltaram 70% entre 2017 e 2019, o que reforça a suspeita de que a alta das mortes violentas sem explicação seja fruto, em grande parte, da subnotificação de homicídios.

Fonte: ULTIMOSEGUNDO.IG.COM.BR