ESG InsightsA 15 minutos da qualidade de vida
POR BÁRBARA VETOS
Imagine viver a cerca de 15 minutos dos serviços essenciais da sua cidade. Para quem passa tantas horas confinado no transporte público ou particular, pode parecer um modelo prático e tentador. Menos estresse, mais qualidade de vida, mais tempo hábil para outras atividades…
A mobilidade nas grandes cidades brasileiras é um constante desafio. Um levantamento divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que 36% dos trabalhadores gastam mais de uma hora no transporte em suas jornadas diárias. Enquanto isso, outros 21% chegam a ficar entre uma e duas horas no transporte; 7% gastam entre duas e três horas; e 8% perdem mais de três horas.
Em cidades como São Paulo, locomover-se de carro leva ainda mais tempo do que utilizar o transporte público. Em média, o paulistano perde hoje 2 horas e 46 minutos de seu dia no trânsito, de acordo com uma pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo e pelo Instituto Cidades Sustentáveis, em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec).
Em uma cidade de 15 minutos, isso deixaria de ser uma questão. O conceito foi elaborado pelo urbanista franco-colombiano Carlos Moreno em 2016. Sua proposta era fazer com que cada bairro garantisse um conjunto de infraestrutura capaz de suprir as necessidades do dia a dia de seus moradores em menor tempo. Afinal, “viver em uma cidade não é só ter um teto para morar, mas ter qualidade de vida”, defende Moreno.
A proposta foi abraçada por Paris, capital em que o urbanista reside desde os 20 anos e primeira cidade do mundo a adotar o conceito. A prefeita Anne Hidalgo implementou uma série de iniciativas locais para reduzir o uso de carros e incentivar a mobilidade ativa. Com isso, a cidade europeia ganhou mais ciclovias, áreas verdes e projetos de revitalização do espaço público. Um modelo de sucesso que vem inspirando cidades mundo afora, de acordo com o urbanista.
Em entrevista exclusiva ao ESG Insights, Carlos Moreno explica mais sobre os objetivos e benefícios da cidade de 15 minutos, o papel da iniciativa privada e os desafios contemporâneos. Confira alguns trechos.
ESG Insights – O que é o conceito de cidade de 15 minutos e como ele foi criado?
Carlos Moreno – É uma ideia para mudar radicalmente nosso estilo de vida nas cidades. Trata-se de um conceito baseado em um novo modelo de acesso aos serviços essenciais, a fim de melhorar a qualidade de vida, em vez de gastar muito tempo para acessar diferentes atividades em longas distâncias.
Propus essa nova distribuição descentralizada de serviços essenciais para reduzir naturalmente nossos deslocamentos nas ruas, preservar nossa biodiversidade natural, impulsionar a economia local, ter bairros mais habitáveis e melhorar as interações sociais.
O ponto menos importante na cidade de 15 minutos é o número de minutos. Quinze, 20, 30: isso não é relevante. A questão central é o acesso aos serviços médicos, escolas, atividades culturais, cinema, teatros, espaços públicos, vegetação… Uma cidade menos poluída e que vive em outro ritmo.
Chegamos em um momento em que é preciso reduzir os deslocamentos obrigatórios para aumentar nossa capacidade de gerenciar nossa vida.
ESG Insights – A cidade de 15 minutos não é só sobre tempo, mas sobre qualidade de vida. Como esse conceito se alinha aos princípios ESG?
Carlos Moreno – Os princípios ESG estão em total conformidade com a cidade de 15 minutos, considerando que o conceito é uma visão holística para a conciliação entre sociedade, economia e qualidade de vida.
“O caminho ESG na cidade de 15 minutos é um caminho humanístico para o urbanismo. São fatores indissociáveis”
Precisamos desenvolver mais atividades locais. Os circuitos diários de curta distância, na verdade, também são uma forma de desenvolver as habilidades locais, envolver as pessoas e promover o empoderamento dos cidadãos. Isso é inclusão.
A equidade é um tema bastante relevante da cidade de 15 minutos. Com isso, teremos mais interações sociais e um despertar natural para o cuidado com as pessoas mais frágeis, como idosos e crianças, para a segurança das mulheres no espaço público, e para reequilibrar o uso da cidade durante o dia e durante a noite.
O caminho ESG na cidade de 15 minutos é um caminho humanístico para o urbanismo. São fatores indissociáveis.
ESG Insights – A mobilidade ativa é central para esse conceito. Como podemos garantir esse tipo de mobilidade em cidades que não foram originalmente planejadas dessa forma?
Carlos Moreno – Por muito tempo, nossas cidades, infelizmente, dedicaram-se a oferecer o essencial dos espaços públicos para os carros. Transformamos nossas cidades em um enorme depósito de automóveis e fomos incentivados a viver sob esse modelo.
Com a cidade de 15 minutos, queremos reequilibrar o uso do espaço público: mais lugares para as pessoas e menos para os carros. Regenerar a natureza e a biodiversidade nas cidades, desenvolver mais vegetação e árvores, e oferecer cidades mais respiráveis. Esse é o sentido da cidade de 15 minutos: transformar profundamente nosso estilo de vida.
ESG Insights – Quais são os principais desafios enfrentados na implementação de um projeto urbano como esse?
Carlos Moreno – O principal desafio é desenvolver esse projeto como uma política urbana. Isso é muito importante, porque a governança pública é responsável pelo desenvolvimento do bem comum – o que, consequentemente, impacta em nossa qualidade de vida.
O bem comum é o conjunto de recursos materiais ou imateriais, públicos ou privados, que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida dos cidadãos como uma política pública, urbana e territorial.
Isso faz com que possamos proteger esse conceito, evitando que ele seja capturado por interesses privados para desenvolver, por exemplo, condomínios e urbanizações privadas. Afinal, isso representa um risco de gentrificação, de segregação das pessoas. Como política pública, desenvolveremos o conceito em todas as regiões, e não apenas para uma área geográfica específica.
ESG Insights – Existe espaço para o envolvimento do setor privado no desenvolvimento da cidade de 15 minutos?
Carlos Moreno – É claro, o setor privado poderia desempenhar um papel relevante no desenvolvimento da cidade de 15 minutos, mas esse papel deve ser orientado para o cumprimento de uma política pública.
O setor imobiliário tem hoje uma grande oportunidade de mudar seu modelo de negócios, de adotar uma estratégia baseada em uma junção do social com o funcional. Esse é o urbanismo do século 21.
Em vez de continuar a desenvolver cidades baseadas no deslocamento de longa distância com carros particulares ou transportes coletivos em más condições em horário de pico, hoje temos a possibilidade real de adotar políticas ESG para o desenvolvimento das cidades.
ESG Insights – A proposta da cidade de 15 minutos pode ser adaptada a regiões periféricas e em situação de vulnerabilidade ao redor do mundo?
Carlos Moreno – Temos hoje o Observatório Global de Proximidades Sustentáveis. Esse observatório está presente em todo o mundo, com muitos exemplos diferentes de diferentes tipos de territórios: cidades complexas, regiões, territórios de média e baixa densidade, pequenas áreas rurais e grandes metrópoles.
A escala regional que temos hoje se apresenta de muitas maneiras diferentes, visto que esse conceito não é uma checklist, não é um rótulo, uma lista em que se obtém determinada pontuação. Trata-se de uma estrutura de políticas a serem implementadas.
Temos muitos casos de usos diferentes e cada um deles atende a condições específicas, que buscam encontrar o melhor caminho para aumentar a qualidade de vida e garantir a convergência dos requisitos ecológicos, econômicos e sociais de uma cidade.
ESG Insights – Como podemos quebrar esse padrão de “centro rico” e “periferia precarizada” em regiões marcadas por forte segregação socioespacial?
Carlos Moreno – Cerca de 20% da população mundial vive em assentamentos informais, em moradias extremamente precárias. Essa política, baseada na proximidade, é uma forma estratégica de oferecer mais serviços às pessoas que vivem em locais assim.
A forma como elas vivem hoje não é sinônimo de viver na cidade. Viver em uma cidade não é só ter um teto para morar, mas ter qualidade de vida.
Para viver em uma cidade, precisamos de serviços médicos, atividades educacionais, atividades culturais e espaços públicos. A cidade de 15 minutos é uma oportunidade de oferecer esses serviços descentralizados, inclusive em assentamentos informais, como uma forma de dignificar o cotidiano das pessoas.
“A moradia social é importante. […] Combater a segregação faz parte das propostas da cidade de 15 minutos em regiões periféricas”
As pessoas que vivem hoje nesses locais, na realidade, enfrentam uma dupla punição. Moradias desconfortáveis e precárias e, ao mesmo tempo, são obrigadas a gastar muito tempo em deslocamentos longos para acessar serviços essenciais. Por isso, o objetivo também é revitalizar essas áreas, mas de forma a evitar a gentrificação.
Um dos pontos-chave é desenvolver moradias sociais de qualidade. A moradia social é importante para interromper o processo de superlotação de áreas destinadas apenas à população pobre, sem as condições humanas adequadas, misturando moradias sociais com serviços locais. Combater a segregação faz parte das propostas da cidade de 15 minutos em regiões periféricas.
ESG Insights – Que cidades implementaram esse modelo de forma bem-sucedida?
Carlos Moreno – Temos muitos exemplos. O primeiro é Paris, minha cidade, visto que a prefeita Hidalgo adotou esse conceito. Pudemos observar nos Jogos Olímpicos a importância da implementação desse conceito em Paris.
Temos isso em outras grandes metrópoles europeias, como Milão, na Escócia, no Reino Unido, que adotou a política territorial de 20 minutos. Na Espanha, na Coreia do Sul, em Guzan e em Seul, as duas principais cidades.
Esse conceito também tem uma implementação incrível em cidades médias no continente africano, por exemplo, assim como na Oceania e diferentes cidades da América do Norte, como Cleveland, Portland e Seattle.
Temos hoje uma longa lista de cidades, independentemente da densidade populacional, que estão completamente envolvidas no desenvolvimento desse conceito. O movimento na Europa transita em direção à cidade de 15 minutos e, quatro anos depois [do caso parisiense], temos mais de 120 projetos somente na Europa, que atuam de forma colaborativa entre cidades, pesquisadores, setores acadêmicos e econômicos.
ESG Insights – Você acredita que isso poderia ser uma realidade aqui no Brasil e no restante da América Latina também?
Carlos Moreno – Na América Latina, temos diversos grandes projetos com diferentes stakeholders regionais envolvidos, como no Chile ou na Argentina. O tema também tem avançado no Equador, em projetos nos quais o prefeito de Quito está totalmente envolvido. O México também está totalmente comprometido com essa luta.
No Brasil, espero que, futuramente, tenhamos cidades brasileiras comprometidas em desenvolver e implementar esse conceito.
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Foto: Carlos Moreno/Creative Commons“É preciso reduzir os deslocamentos obrigatórios para aumentar nossa capacidade de gerenciar nossa vida”
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Fonte: ECONOMIA.IG.COM.BR

