“Falar sobre o acidente não é dolorido pra mim, porque eu não me lembro de nada”
Em 2015, quando tinha 17 anos, a jovem Sandya Ribeiro Belém voltava para casa na garupa do moto pilotada pelo pai, quando em um cruzamento o motorista de um veículo invadiu a preferencial atingindo em cheio a motocicleta onde pai e filha estavam. O pai não sofreu ferimentos graves. Sandya, no entanto, sofreu traumatismo craniano. Depois de mais de 3 horas de cirurgia ela foi internada na UTI respirando por aparelhos. Sandya deixou a UTI depois de mais de 40 dias.
Ela perdeu os movimentos dos membros inferiores.
Quase 7 anos após o acidente, a estudante de direito que sonhava em ser modelo, segue confiante na vida, lutando para ter mais independência, e prestes a comemorar novas conquistas.
Por vodeochamada, o site conversou com Sandya, que está em Cuiabá (MT) com a mãe, Fátima, desde o mês de novembro do ano passado, para onde se mudaram temporariamente na busca por um melhor tratamento para a universitária.
“Nós viemos pra cá no dia 21 de novembro de 2021 para eu poder fazer fisioterapia neurológica”, explicou Sandya.
A reportagem quis saber quais as diferenças entre o tratamento oferecido em Vilhena e o que ela recebe na capital mato-grossense. “O problema daí é que a gente espera na fila para marcar dez sessões que não chegam a 1 hora cada, porque a demanda de pacientes é muito grande; e quando findam essas dez sessões, a gente precisa voltar para o final da fila para agendar novas sessões. Eu cheguei a ficar 9 meses aguardando, e o que eu aprendia em dez sessões, esquecia ao longo dos meses de espera”, explicou.
Sandya também apontou que ela chegou a um ponto que não dava mais para ser apenas a fisioterapia manual, ela precisava de aparelhos específicos que o CER não dispunha. Por isso a decisão pela ida para Cuiabá.
Na capital mato-grossense Sandya se submete a sessões diárias de 2 horas com auxílio de aparelhos que têm, segundo ela própria, ajudado na sua melhora. E os resultados apontados pela vilhenense indicam que foi a decisão certa a ida para Cuiabá.
“Ainda estou na cadeira de rodas, mas têm certas coisas eu me tornei muito independente, como me virar na cama. Antes meus pais precisavam me virar, hoje eu consigo fazer isso sozinha. Estou conseguindo passar da posição deitada para a posição sentada. Consigo me levantar, segurando na minha mãe. Antes eu a apertava pra baixo, hoje eu consigo levantar com as pernas, não penduro mais nela. Eu consigo tomar banho sozinha já”, comemora.
A reportagem quis saber sobre o que ela lembra do acidente que provocou tantas mudanças em sua vida, e como foram os meses que se seguiram a ele. E Sandya não se furtou de falar.
“Falar sobre o acidente não é dolorido pra mim, porque eu não me lembro de nada. Sempre digo: se tivesse morrido nesse acidente, teria sido uma morte boa, porque eu não vi, não senti dor alguma”, revelou.
A jovem, que hoje tem 23 anos, disse que no nos primeiros dias quando ela foi para casa, ela não sabia que não podia andar. Mesmo passando todo o tempo deitada, ela afirmou que pra ela, ela andava, que ficar deitada era apenas para recuperação.
“Eu dormia na sala. Numa cama de hospital. Todo dia eu pedia para minha mãe me levar para o meu quarto pra eu colocar uma calça e a sapatilha, porque a Luana (colega de trabalho e de faculdade) iria passar em casa para gente ir pra faculdade. E minha mãe não sabia como me dizer que eu não andava, e que eu não estava mais fazendo faculdade”, lembra a jovem, que afirmou que a maior decepção da vida dela foi quando pediu para o pai para coloca-la de pé, e suas pernas não obedeceram.
“Minhas pernas não esticavam para eu me por de pé. Foi aí que eu caí na real de que eu não andava. Foi muito difícil. Porque caí na real de que eu não trabalhava mais, não estudava mais. Fiquei acamada por um bom tempo. Só ficava deitada. Foi muito difícil. Eu chorava muito”, declarou.
Sandya conta depois de algum tempo ela começou a ver as coisas de outro jeito e hoje encara a situação como uma oportunidade de recomeçar.
“Eu estou sem andar. É triste. Mas, eu estou viva. Deus me deu a vida, então eu vou correr atrás do meu espaço. Estou estudando. Curso o sétimo período da faculdade de direito. Me formo no ano que vem, graças a Deus. Eu acredito que enquanto há vida, a gente tem chance”, declarou.
A futura operadora do direito disse que a família e os amigos dão a força necessária para seguir acreditando. “Eles ficam muito felizes a cada evolução. O apoio deles me dá força pra seguir. Tenho minhas aspirações, pessoas nas quais me espelho para seguir lutando; e tento também ser fonte de inspiração pra outras pessoas. Eu vejo pessoas sem qualquer problema de locomoção que por qualquer coisa ficam abatidas. Enquanto pessoas como eu e tantas outras que enfrentam obstáculos muito maiores pela situação que foi nos imposta, estão felizes como eu, agradecendo por mais um dia de vida, por te profissionais capacitados que estão me ajudando, por ter a minha família comigo”, ponderou a jovem, que tem sido, realmente, fonte de inspiração para muitas pessoas a cada post em suas redes sociais com suas evoluções e conquistas.
A FOLHA conversou também com a Sandra Lima, fisioterapeuta especializada e mestre em reabilitação neurológica intensiva baseada na neuroplasticidade. A Doutora Lima é quem acompanha o tratamento da Sandya na Clínica Reabilitare.
A fisioterapeuta disse que desde que iniciou o tratamento de Sandya, há cerca de 5 meses, está buscando fazer uma reeducação neurofuncional, e admite que o tempo transcorrido desde a lesão tem gerado dificuldades.
Conforme a profissional, a literatura preconiza que a resposta neurológica, independente da lesão, terá um resultado melhor na recuperação, se a fisioterapia for feita em até 24 meses. Após esse período, o neurônio torna-se mais lento. No entanto, no entender de Lima, não significa que o neurônio não possa executar algumas atividades. Desde que estimulado pela repetição.
“Por isso a repetição é importante para que ocorra o aprendizado neural. Vamos imaginar que a pessoa sofreu uma lesão grave e perdeu todos os neurônios. Mas, pode ter a capacidade de, de repente, uma ponte. E é isso que a gente está tentando com a Sandya, e está nos surpreendendo. Ela hoje faz treinos de ficar em pé com o auxílio de um aparelho, mas ela consegue executar de forma virtual a marcha”, explicou.
Sobre a evolução de Sandya em conseguir se virar sozinha na cama e até levantar da cama sem pesar tanto sobre a mãe, isso representa um ganho na qualidade de vida.
A conversa por vídeochamada aconteceu durante uma das sessões de Sandya. E Sandra Lima mostrou um dos exercícios. Conforme ela explicou, o exercício com a ajuda de um aparelho trabalhava a flexão do joelho.
“A perna esquerda não respondia”, disse a médica, enquanto realizava a sessão de exercícios, e apontando para um ponto um pouco acima do joelho, disse: “olha como o músculo dela está acordando. Isso é extremamente importante, porque pode auxiliá-la na marcha, pode auxiliar no levantar da cama. Além de prevenir qualquer complicação articular”, explicou, antes de concluir: “se você me perguntar se amanhã ela vai sair andando, não saberei te responder. Mas, o neurônio associar, de tanto repetir a atividade com o auxilio do guincho, o posicionamento do membro com o outro aparato, nos surpreendeu”.
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Folha do Sul Online